Publicada em 1881, a primeira obra realista de Machado de
Assis conta a história de Brás Cubas, um filho abastado da sociedade carioca do
século XIX. Constitui um grande romance, de leitura difícil, mas profundamente
enriquecedora.
A narração é feita em primeira pessoa pelo próprio
protagonista, que, após sua morte, resolve escrever suas memórias,
desrespeitando a ordem temporal linear – a morte, por exemplo, é contada antes
mesmo do nascimento e dos fatos da vida –, o que represente uma novidade para os
leitores da época. Essa distorção, segundo Brás Cubas, tornaria sua narrativa
mais interessante e “galante” – trata-se, portanto, de mais um capricho do
protagonista, entre tantos outros da elite brasileira daquela época.
Outra estranheza que muda radicalmente o panorama da
literatura brasileira é o fato de a história ser contada por um personagem
depois de morto. O próprio narrador, no início do livro, se intitula um
defunto-autor, e não um autor defunto, pois não se trata de um escritor que
morreu, e sim de um morto capaz de escrever. O fato de Brás Cubas colocar-se
como um defunto-autor dá a impressão de que o relato seria caracterizado pela
isenção, pela imparcialidade de quem já não tem necessidade de mentir.
Entretanto, essa é apenas mais uma das famosas armadilhas machadianas contra a
credulidade do leitor ingênuo e romântico de sua época.
A obra tem início, então, com a morte de Brás Cubas (a cena
do enterro, os delírios antes de morrer), para só depois retornar à sua
infância, a partir de quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear,
interrompida apenas por alguns comentários digressivos do narrador.
A infância do protagonista, como de todo membro da sociedade
patriarcal da época, foi marcada por privilégios e caprichos patrocinados pelos
pais. Ao relatar sua infância, ele escreve que cresceu “naturalmente, como
crescem as magnólias e os gatos”, ressaltando, contudo, que “talvez os gatos
sejam menos matreiros e, com certeza, as magnólias são menos inquietas do que
eu era na minha infância”.
Como ele mesmo afirma, fora um menino matreiro, apelidado,
por isso, de menino-diabo: maltratava os escravos, mentia, escondia os chapéus
das visitas, colocava rabos de papel em pessoas graves, puxava os cabelos, dava
beliscões, possuía temperamento maligno, contando, invariavelmente, com a
cumplicidade do pai, que o superprotegia, e a fraqueza da mãe, sempre omissa em
relação ao filho.
Tinha como “brinquedo” de estimação o negrinho Prudêncio, que
lhe servia de montaria e para maus-tratos em geral. Através de Prudêncio,
Machado de Assis nos mostra como a estrutura social se incorpora ao indivíduo:
já adulo, Brás Cubas encontra Prudêncio, agora alforriado, batendo em um negro
fugitivo. O negrinho se tornara dono de escravos, e nessa condição tratava-os
como animais, pois era essa a sua única referência de como lidar com a
situação. Depois de um breve espanto, porém, Brás Cubas lhe pede que pare com
aquilo, e ele imediatamente atende ao pedido do ex-dono, ainda que não tenha
mais nenhuma obrigação a cumprir.
Na escola, Brás era amigo de traquinagem de Quincas Borba,
que aparecerá no futuro dizendo-se filósofo. Certo dia Quincas Borba o visita,
rouba seu relógio e desaparece. Tempos depois retorna, enriquecido graças a uma
herança, devolve-lhe o relógio e lhe conta sobre o Humanitismo, teoria segundo
a qual só os mais fortes e aptos devem sobreviver. Em razão dessa passagem, o
livro Quincas Borba é considerado uma continuação de Memórias
Póstumas de Brás Cubas, embora as histórias sejam completamente independentes.
Na juventude, Brás Cubas se envolve com Marcela, uma cortesã
espanhola que o ama “durante quinze meses e onze contos de réis”. Essa é uma
das marcas de Machado de Assis: a maneira como o autor trabalha as figuras de
linguagem. Embora Marcela seja uma prostituta de luxo, em nenhum momento é
caracterizada nesses termos. O autor utiliza a ironia e o eufemismo para que o
leitor capte o significado, sem afirmar categoricamente que ela só estava
interessada nos caros presentes que o protagonista lhe dava.
Apaixonado, Brás Cubas gasta muitos recursos com festas,
presentes e toda sorte de frivolidades. Preocupado, seu pai toma a atitude mais
comum para a classe rica da época: manda o filho para a Europa para formar-se
bacharel em Coimbra. Contrariado, Brás Cubas segue para a universidade em uma
viagem que já começa triste e lúgubre, já que Marcela descumprira o combinado e
não aparecera para se despedir.
Com o diploma na mão e total inaptidão para o trabalho, Brás
Cubas retorna ao Brasil, onde segue sua vida parasitária, gozando dos
privilégios dos bem-nascidos. Aqui encontra seu segundo e mais duradouro amor:
Virgília, parente de um ministro da corte, com quem pretende se casar em um
negócio arranjado pelo pai, que quer vê-lo deputado.
Apesar de rica, a família dos Cubas não tinha tradição –
construíra sua fortuna com a fabricação de cubas, tachos, à maneira burguesa, o
que não era louvável no mundo das aparências sociais. A entrada para a
política, portanto, era vista como uma forma de ascensão social, uma espécie de
título de nobreza que ainda lhes faltava. No entanto, ambos os projetos são
fadados ao fracasso: Brás Cubas perde a noiva e o cargo para Lobo Neves. Mais
tarde, almejando ser ministro, consegue apenas o amor adúltero de Virgília e o
cargo de deputado.
O romance, portanto, não apresenta grandes feitos, ou seja,
não há nenhum acontecimento significativo que se realize por completo. A obra
termina, nas palavras do próprio narrador, com um capítulo só de negativas:
Brás Cubas não se casa, não consegue concluir o emplasto (medicamento que
imaginara criar para conquistar a glória na sociedade), não se torna ministro
(apenas deputado, mas seu desempenho é medíocre) e não tem filhos. Assim, o
protagonista se transforma em um adulto egocêntrico e mentiroso, exatamente
para disfarçar a sequência de fracassos a que sua vida se reduziu.
Desse ponto até o fim da vida, Brás se dedica à carreira
política, que exerce sem talento, e a ações beneficentes, que pratica sem
nenhuma paixão. O balanço final, tão melancólico quanto a própria existência,
arremata a narrativa de forma pessimista: “Não tive filhos, não transmiti a
nenhuma criatura o legado da nossa miséria”
.
.
Importância do livro
A publicação desse romance, em 1881, é precedida pela formato em folhetim da obra, publicado na “Revista Brasileira” entre março e dezembro de 1880. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o marco inaugural do realismo no Brasil. Como fica explícito no título, quem narra as memórias já está morto, o que estabelece um diálogo crítico com a estética realista. Noções como verdade, ciência e razão são colocadas em discussão e relativizadas por Brás Cubas. O narrador vê o mundo com ceticismo e desprezo e, dirigindo sua crítica ao gênero humano, transforma o próprio leitor em uma das vítimas das ironias do livro.
Período histórico
A ação do romance abarca a segunda metade do século XIX, período que corresponde ao governo de D. Pedro II. A juventude de Brás coincide com a Independência do Brasil, em 1822. Assim, sua chegada à idade adulta pode simbolizar a maturidade social brasileira.
A publicação desse romance, em 1881, é precedida pela formato em folhetim da obra, publicado na “Revista Brasileira” entre março e dezembro de 1880. Memórias Póstumas de Brás Cubas é o marco inaugural do realismo no Brasil. Como fica explícito no título, quem narra as memórias já está morto, o que estabelece um diálogo crítico com a estética realista. Noções como verdade, ciência e razão são colocadas em discussão e relativizadas por Brás Cubas. O narrador vê o mundo com ceticismo e desprezo e, dirigindo sua crítica ao gênero humano, transforma o próprio leitor em uma das vítimas das ironias do livro.
Período histórico
A ação do romance abarca a segunda metade do século XIX, período que corresponde ao governo de D. Pedro II. A juventude de Brás coincide com a Independência do Brasil, em 1822. Assim, sua chegada à idade adulta pode simbolizar a maturidade social brasileira.
O livro é divertido e cheio de surpresas. Por trás de tanto
bom humor, porém, pode-se observar o famoso pessimismo machadiano, que não
apenas põe à prova as estruturas da sociedade carioca do século XIX, como deixa
visível o esqueleto que suporta as estruturas da vida e da arte.
ANÁLISE
Memórias póstumas de Brás Cubas se
enquadra no gênero literário conhecido como sátira menipéia, no qual um morto
se dirige aos vivos para criticar a sociedade humana. É exatamente o que faz o
narrador, ao contar a história de sua vida após o próprio falecimento. A
leitura do romance deve levar em conta a dupla condição do protagonista: há o
Brás vivo e o Brás morto.
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver
dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas.
Brás Cubas
O Brás vivo é personagem da narrativa e vive uma
existência marcada pelas futilidades sociais, pela volubilidade sentimental e
pelo desprezo que manifesta pelos outros. O Brás morto é o narrador, que é
capaz de expor sem nenhum pudor os próprios defeitos. Em primeiro lugar, porque
já está morto e não pode mais ser atingido pela ira de seus contemporâneos. Em
segundo, porque a condição em que está lhe dá a sabedoria necessária para
perceber que seu modo de agir é semelhante ao de todos os seres
humanos.
A sociedade é caracterizada como o espaço do jogo entre
aparência e essência, onde as pessoas interpretam papéis e fingem ser o que
realmente não são. A impossibilidade de conhecer as profundezas da alma não
impede o narrador de reconhecer a miséria moral da humanidade.
PERSONAGENS
- Brás Cubas: narrador e protagonista, é o “defunto autor” de
sua própria biografia, na qual avalia com ceticismo a existência humana.
- Virgília: esposa do político Lobo Neves e amante de Brás
Cubas, sustenta o caso adúltero para manter as aparências do casamento.
- Quincas Borba: amigo de Brás, formula a filosofia do humanitismo.
- Eugênia: jovem manca de quem Brás rouba um beijo,
abandonando-a em seguida.
- Marcela: prostituta de luxo com quem o narrador se envolve
na juventude.
- Cotrim: cunhado de Brás pelo casamento com a irmã deste,
Sabina, trata-se de um homem de hábitos rudes no trato com escravos.
- Nhã Loló: parenta de Cotrim, é a noiva arranjada por Sabina
para o irmão; o casamento não se realiza em função da morte da
pretendente.
- Dona Plácida: ex-empregada de Virgília, acoberta os
encontros amorosos entre Brás e sua antiga ama.
- Prudêncio: ex-escravo de Brás; depois de alforriado,
torna-se dono de um escravo, no qual se vinga das violências recebidas na
infância.
Sobre o autor
Machado de Assis
✩21 de Junho de 1839
✞29 de Setembro de 1908
|
Joaquim Maria Machado de Assis ,nasceu no dia 21 de
Junho de 1839,na cidade Rio de Janeiro (RJ).Foi um escritor brasileiro,
considerado por muitos críticos, estudiosos, escritores e leitores um dos
maiores senão o maior nome da literatura do Brasil. Machado de Assis
conseguiu como poucos desentranhar dos acontecimentos políticos de seu tempo o
significado humano mais profundo. Assim, o ambiente aparentemente pacífico da
vida institucional brasileira da segunda metade do século XIX escondia a
violência da escravidão e do sistema de troca de favores que norteava a relação
entre ricos e pobres. Ao falar do Brasil, Machado desnudava o ser humano em sua
miséria moral. E construía a obra mais genial de nossa literatura. Faleceu em
29 de Setembro de 1908.
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